Dayanne Sousa
Um grupo de comerciantes do bairro de Cajazeiras, em Salvador,
cansou de ouvir o povo dizer que faltava dinheiro para comprar. E
decidiu resolver o problema financiando os clientes. Nasceu dessa forma o
primeiro cartão de crédito comunitário: o "Cajazeiras Card".
Com o slogan "É de Cajazeiras, é nosso", o plástico milagroso já foi
requisitado por mais de mil pessoas neste bairro que - pelo tamanho e
espírito de grandeza de seus moradores - ganhou o apelido de "a segunda
maior cidade da Bahia".
A ideia surgiu com a Associação de Micro e Pequenas Empresas de
Cajazeiras (Amicro), que tem entre seus associados uma pizzaria, uma
bomboniere e uma loja de materiais de construção. Esta última, aliás, já
comemora o aumento no volume de vendas desde que o cartão surgiu, há
três meses, conta o presidente da Amicro, Sérvio Túlio.
Quem costuma receber uma oferta crédito diferente a cada semana, por
correio, talvez estranhe a ideia, mas o "Cajazeiras Card" se popularizou
por não exigir comprovação de renda. Qualquer morador consegue um
limite para compras de R$ 250. Numa região empobrecida, valor suficiente
para comprar o cimento e tocar uma reforma em casa.
Cajazeiras tem cerca de 600 mil habitantes. Uma população maior que a da
cidade baiana de Feira de Santana (556 mil), da mineira Juiz de Fora
(516 mil) e quase igual a da paulista Ribeirão Preto (604 mil). Como
muitos não têm empregos formais, usar o sistema bancário é difícil.
"Algumas donas de casa que pediram o Cajazeiras Card têm mais de 40 anos
e nunca tiveram uma conta no banco", conta Túlio.
Com tudo isso, o empresário duvida que a população vá deixar de pagar as
contas. A Associação pretende até dar aulas de educação financeira e
evitar o superendividamento.
Um dos primeiros detentores do "Cajazeiras Card", o auxiliar
administrativo Antonio Jorge Guerreiro, vê a dedicação do povo para
manter o orçamento em dia. "Cada pessoa tem o seu controle". Ele conta
que já tinha um outro cartão, mas fez questão de adquirir o do bairro.
"Esse é um bairro muito carente e que necessita, as pessoas estão
motivadas".
Economia de bairro
A forte identificação do cartão com o bairro se transformou no seu maior
atrativo. "Nos inspiramos nesses cartões de fidelidade dos shoppings",
conta Túlio. A lógica clara é a de que a população passa a optar por
gastar nos pequenos empreendimentos em vez de fazer todas as compras num
grande supermercado.
O projeto estimula os microempresários a se cadastrarem. Alguns lojistas
que não tinham como pagar o aluguel das tradicionais maquininhas de
cartão podem adotar o novo sistema e cobrar usando um computador
conectado a internet.
Apesar da criatividade do formato escolhido pelos soteropolitanos de
Cajazeiras, a ideia de estimular o comércio local como uma forma de
desenvolver uma região não é nova. O governo brasileiro já criou moedas
próprias em 53 comunidades diferentes com o intuito de centralizar os
gastos de moradores no comércio local. A mais recente das chamadas
moedas sociais é o CDD, que desde meados de setembro circula na Cidade
de Deus, no Rio de Janeiro.
Nenhum comentário:
Postar um comentário